sexta-feira, 22 de maio de 2015

O gene e o meme

O que vem a ser "meme"?

Nas palavras do criador do termo temos:

"Exemplos de memes são melodias, idéias, "slogans", modas do vestuário, maneiras de fazer potes ou de construir arcos.
Da mesma forma como os genes se propagam no "fundo" pulando de corpo para corpo através dos espermatozóides ou dos óvulos, da mesma maneira os memes propagam-se no "fundo" de memes pulando de cérebro para cérebro por meio de um processo que pode ser chamado, no sentido amplo, de imitação. "
, Richard Dawkins.

Resolvi abordar esse tema depois de ver o vídeo de apresentação da palestra de abertura do evento Fronteiras do Pensamento em São Paulo na qual o apresentador discorre sobre o que, na opinião dele, seja o significado do termo "meme" criado pelo palestrante inicial do evento, Richard Dawkins, biólogo britânico conhecido pelo clássico "O gene egoísta" onde o termo "meme" apareceu.

O vídeo de abertura citado acima está em:
http://mais.uol.com.br/…/ateu-militante-e-criador-de-meme-r…&

No vídeo o apresentador entra no lugar comum e se refere ao "meme" como sendo o agente cultural que produz as nossas opiniões e a nossa forma de pensar até mesmo inconsciente!
Mais uma vez os arautos de que é a cultura que determina a opinião e ação das pessoas em ação!
É impressionante como a ideologia marxista "cultural" penetrou em tantas mentes intelectuais e as fez escravas do seu dogma!

O meme não quer dizer nada disso!
O meme é um replicador de INFORMAÇÃO e não de valores.
O meme não impõe valores na cabeça das pessoas, o meme apenas transfere INFORMAÇÃO de um cérebro para outro.
Como essa informação vai ser processada na mente de cada pessoa depende de cada pessoa e não do meme.
É como a autor diz no seu livro:
"Cada indivíduo tem sua própria maneira de interpretar as ideias (meme) de Darwin."

Para elucidar essa questão vou colocar a seguir parte do capitulo do livro "O gene egoísta" onde Richard Dawkins conceituou o termo "meme".


MEMES: OS NOVOS REPLICADORES

Até agora não falei muito a respeito do homem em especial, embora tampouco o tenha deliberadamente excluído.
Parte do motivo por eu ter usado o termo "máquina de sobrevivência" é que "animal" teria excluído as plantas e, para algumas pessoas, os seres humanos.
Os argumentos apresentados deveriam prima facie, aplicar-se a qualquer ser que evoluiu.
Se uma espécie constituir exceção, devem haver boas razões.
Há boas razões para supor que nossa própria espécie seja única?
Acredito que a resposta seja afirmativa.
Quase tudo que é incomum no homem pode ser resumido em uma palavra: "cultura".
Não usei a palavra em um sentido esnobe, mas como os cientistas a usam.
A transmissão cultural é análoga à transmissão genética no sentido de que embora seja basicamente conservadora, pode originar um tipo de evolução.
Geoffrey Chaucer não poderia manter conversação com um inglês contemporâneo, embora estejam ligados entre si por uma cadeia ininterrupta de cerca de vinte gerações de ingleses, cada um dos quais podia falar com seus vizinhos imediatos na cadeia, como um filho fala com seu pai.
A língua parece "evoluir" por meios não genéticos e a uma velocidade muito superior a da evolução genética.
A transmissão cultural não é característica apenas do homem.
O melhor exemplo que conheço entre os animais foi recentemente descrito por P. F. Jenkins no canto de uma ave "saddleback" que vive em ilhas próximas da Nova Zelândia.
Na ilha na qual ele trabalhou havia um repertório total de cerca de nove cantos diferentes.
Cada macho emitia apenas um ou alguns desses cantos.
Os machos podiam ser classificados em grupos dialetais.
Por exemplo, um grupo de oito machos possuindo territórios adjacentes, emitiam um canto específico chamado CC.
Outros grupos dialetais emitiam cantos diferentes.
Algumas vezes os membros de um grupo dialetal compartilhavam mais de um canto diferente. Comparando os cantos dos pais e filhos Jenkins mostrou que os padrões de canto não eram herdados geneticamente.
Cada macho jovem provavelmente adotaria por imitação os cantos de seus vizinhos de território, de modo análogo à linguagem humana.
Durante a maior parte do tempo em que Jenkins esteve lá, havia um número constante de cantos na ilha, um tipo de "fundo de cantos" do qual cada macho jovem obtinha seu próprio repertório pequeno.
Mas, ocasionalmente Jenkins teve o privilégio de testemunhar a "invenção" de um novo canto, a qual ocorria por um erro na imitação de um canto antigo.
Ele escreve: "Mostrou-se que novas formas de canto originam-se de várias maneiras pela mudança da altura de uma nota, repetição,
elisão de notas e combinação de trechos de outros cantos já existentes...
O aparecimento da nova forma era um acontecimento abrupto e o resultado era bastante estável durante vários anos.
Além disto, em vários casos a variante foi transmitida com precisão em sua nova forma a jovens, de modo que um grupo reconhecidamente coerente de cantores semelhantes se desenvolveu".
Jenkins se refere à origem dos novos cantos como "mutações culturais".
O canto nesta ave realmente evolui por meios não genéticos.
Há outros exemplos de evolução cultural nas aves e nos macacos, mas eles são apenas curiosidades interessantes.
É a nossa própria espécie que realmente mostra o que a evolução cultural pode fazer.
A linguagem é apenas um exemplo dentre muitos.
A moda nos vestidos e na alimentação, cerimônias e costumes, arte e arquitetura, engenharia e tecnologia, tudo isto evolui no tempo histórico de uma maneira que parece evolução genética altamente acelerada, mas que na realidade nada tem a ver com esta última.

No entanto, como na evolução genética, a mudança pode ser progressiva.
Há um sentido no qual a ciência moderna realmente é melhor do que a ciência antiga. 

Nossa compreensão do Universo não apenas muda com o passar dos séculos: ela melhora.
Sem dúvida, a atual explosão de aperfeiçoamento data apenas do Renascimento, o qual foi precedido por um período sombrio de estagnação no qual a cultura científica européia ficou congelada no nível atingido pelos gregos.
Mas, como vimos no Capítulo 5, a evolução genética também pode ocorrer como uma série de explosões curtas entre platôs estáveis.
A analogia entre a evolução cultural e a evolução genética tem sido freqüentemente enfatizada, algumas vezes num contexto de conotações místicas desnecessárias.
A analogia entre o progresso científico e a evolução genética pela seleção natural tem sido esclarecida especialmente por "Sir" Karl Popper.
Quero ir ainda mais além por direções que também estão sendo exploradas, por exemplo pelo geneticista L. L. Cavalli-Sforza, o antropólogo F. T. Cloak e o etólogo J. M. Cullen.
Como um darwinista entusiasta, tenho ficado insatisfeito com as explicações do comportamento humano oferecidas por outros entusiastas semelhantes.
Eles têm tentado procurar "vantagens biológicas" nos vários atributos da civilização humana.
Por exemplo, a religião tribal tem sido vista como um mecanismo de solidificação da identidade do grupo, importante para uma espécie que caça em bandos cujos indivíduos dependem da cooperação para capturar presas grandes e velozes.
O pressuposto evolutivo em termos do qual tais teorias são concebidas muitas vezes é implicitamente do tipo seleção de grupo, mas é possível reformular as teorias em termos de seleção gênica ortodoxa.
Talvez o homem tenha passado boa parte dos últimos milhões de anos vivendo em pequenos grupos de parentesco.
A seleção de parentesco e a seleção em favor do altruísmo recíproco poderão ter atuado sobre os genes humanos produzindo muitos de nossos atributos e tendências psicológicas básicas.
Essas idéias são plausíveis até certo ponto, mas acho que elas nem começam a enfrentar o enorme desafio de explicar a cultura, a evolução cultural e as imensas diferenças entre as culturas humanas espalhadas pelo mundo, do egoísmo absoluto dos Ik de Uganda, descrito por Colin Turnbull, ao altruísmo suave dos Arapesh de Margaret Mead.
Acho que temos que começar novamente e voltar aos primeiros princípios.
O argumento que proporei, que talvez pareça surpreendente provindo do autor dos capítulos anteriores, é que para uma compreensão da evolução do homem moderno devemos começar desprezando o gene como a única base de nossas idéias a respeito de evolução.
Sou um darwinista entusiasta, mas acho que o darwinismo é uma teoria grande demais para ser confinada ao contexto limitado do gene.
O gene entrará em minha tese como uma analogia, nada mais.
O que, afinal de contas, é tão especial a respeito dos genes?
A resposta é que eles são replicadores.
As leis da Física supostamente são verdadeiras em todo o universo acessível.
Existe um princípio da Biologia que possivelmente tenha uma validade universal semelhante?
Quando os astronautas viajarem para planetas distantes e procurarem vida, eles podem esperar encontrar criaturas por demais estranhas e misteriosas que possamos imaginar.
Mas, há alguma coisa que deva sempre caracterizar a vida, onde quer que ela se encontre e qualquer que seja a base de sua química?
Se existirem formas de vida cuja química é baseada em silício e não em carbono, ou em amônia e não água, se forem descobertas criaturas que morrem queimadas a -1000 C, se for encontrada uma forma de vida que não é baseada em química, mas em circuitos eletrônicos de reverberação, haverá, ainda assim, um princípio geral que se aplique à toda a vida?
Evidentemente eu não sei, mas se tivesse que apostar, confiaria meu dinheiro em um princípio fundamental.
Na lei de que toda a vida evolui pela sobrevivência diferencial de entidades replicadoras.
O gene, a molécula de DNA, por acaso é a entidade replicadora mais comum em nosso planeta.
Poderá haver outras.
Se houver, desde que certas outras condições sejam satisfeitas, elas quase inevitavelmente tenderão a tornarem-se a base de um processo evolutivo.
Mas temos que ir para mundos distantes a fim de encontrar outros tipos de replicadores e outros tipos resultantes de evolução?
Acho que um novo tipo de replicador recentemente surgiu neste próprio planeta.
Ele está nos encarando de frente.
Ainda está em sua infância, vagueando desajeitadamente num caldo primordial, mas já está conseguindo uma mudança evolutiva a uma velocidade que deixa o velho gene muito atrás.
O novo caldo é o caldo da cultura humana. Precisamos de um nome para o novo replicador, um substantivo que transmita a idéia de uma unidade de transmissão cultural, ou uma unidade de imitação.
"Mimeme" provém de uma raiz grega adequada, mas quero um monossílabo que soe um pouco como "gene".
Espero que meus amigos helenistas me perdoem se eu abreviar mimeme para meme.
Se servir como consolo, pode-se, alternativamente, pensar que a palavra está relacionada a "memória", ou à palavra francesa même.
Exemplos de memes são melodias, idéias, "slogans", modas do vestuário, maneiras de fazer potes ou de construir arcos.
Da mesma forma como os genes se propagam no "fundo" pulando de corpo para corpo através dos espermatozóides ou dos óvulos, da mesma maneira os memes propagam-se no "fundo" de memes pulando de cérebro para cérebro por meio de um processo que pode ser chamado, no sentido amplo, de imitação.

Se um cientista ouve ou lê uma idéia boa ele a transmite a seus colegas e alunos.
Ele a menciona em seus artigos e conferências.
Se a idéia pegar, pode-se dizer que ela se propaga, si própria, espalhando-se de cérebro a cérebro.
Como meu colega N. K. Humphrey claramente resumiu uma versão inicial deste capítulo: ". . . os memes devem ser considerados como estruturas vivas, não apenas metafórica mas tecnicamente.
Quando você planta um meme fértil em minha mente, você literalmente parasita meu cérebro, transformando-o num veículo para a propagação do meme, exatamente como um vírus pode parasitar o mecanismo genético de uma célula hospedeira.

.........

Nota. O capítulo continua, mas, daqui para frente o autor passa a falar do "meme de deus", de religião e dos sacerdotes (Dawkins é ateu militante) e notamos que sua palavra está mais para o que ele defende de forma pessoal do que de forma científica.

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